sábado, 9 de abril de 2011

Dois terços dos senadores têm parentes na política.

Dos 85 parlamentares que exerceram o mandato este ano, entre titulares e suplentes, 57 têm alguma forma de parentesco com outros políticos. A bancada da família aumentou substancialmente nas últimas eleições
José Cruz/ABr
De cada três senadores, dois têm algum parente na política. Uma mostra veemente de como a política vai se tornando uma atividade familiar
O Senado está virando um ambiente familiar. Dois em cada três senadores têm algum parente na política. Dos 85 parlamentares que exerceram o mandato este ano, entre titulares e suplentes, 57 são filhos, netos, pais, irmãos, sobrinhos, tios, primos, cônjuges ou ex-cônjuges de políticos. Nessa extensa lista, aparecem 17 senadores que têm familiares exercendo mandato atualmente na Casa vizinha, a Câmara. Oito deles são pais de deputados. Outros dois deputados são pais de senadores. Os dados fazem parte de levantamento exclusivo feito pelo Congresso em Foco sobre as relações de parentesco entre os parlamentares no Congresso.  A “bancada dos parentes” engordou nas últimas eleições. Dos 37 novos senadores eleitos em outubro, 25 têm laços de parentesco com outros políticos, condição desfrutada também por 11 dos 17 parlamentares reeleitos. Em dez estados, todos os três senadores são familiares de políticos: Alagoas, Maranhão, Paraíba, Piauí, Paraná, Rio Grande do Norte, Rondônia, Sergipe, São Paulo e Tocantins. Entre os partidos políticos, o PMDB é o que reúne mais parlamentares com ramificações políticas: 18 dos 22 que exerceram mandato pela legenda neste início de ano.Clique para conhecer a lista completa dos senadores e seus parentes políticos
Para o professor da Universidade Federal do Paraná, Ricardo Costa de Oliveira, a política é cada vez mais “um negócio de família” no Brasil. “Muitas vezes, isso passa de pai para filho. As eleições estão cada vez mais caras. Você tem de ter uma estrutura de dinheiro e uma estrutura familiar política que lhe dêem condições de elegibilidade. Isso é um fenômeno também de reprodução do poder político”, avalia o cientista político. No início da legislatura passada, 40 senadores – pouco menos da metade deles – vinha de famílias com tradição política, como mostrou o livro “O que esperar do novo Congresso – Perfil e Agenda da Legislatura 2007-2011”, feito pelo Congresso em Foco em parceria com o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). De lá pra cá, a bancada dos parentes cresceu 40%.
Teia familiar
A influência do parentesco na vida política dos senadores pode ser dividida em quatro grupos: há aqueles que entraram para a vida pública sob o apadrinhamento de familiares; os que alçaram vôos bem mais altos que seus parentes, e aqueles que inauguraram a tradição política da família e estão deixando herdeiros. Há, ainda, aqueles cujo parentesco parece ter tido pouca influência no sucesso político. No primeiro grupo, está, por exemplo, o senador Lobão Filho (PMDB-MA), que exerce o mandato na suplência do pai, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão (PMDB-MA). Lobão Filho nunca foi candidato a outros cargos, mas exerceu o mandato no Senado por dois anos na legislatura passada, mesmo sem ter recebido votos diretamente. O senador é filho da deputada Nice Lobão (DEM-MA). Quem também tem mãe na Câmara é o senador Vital do Rego Filho (PMDB-PB), descendente de duas das mais tradicionais famílias políticas da Paraíba.
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Também integra a relação dos “herdeiros políticos” a senadora Marta Suplicy (PT-SP), ex-mulher do senador Eduardo Suplicy (PT-SP). Sexóloga, Marta se lançou na política quando ainda era casada com o hoje colega de Parlamento. A petista virou prefeita de São Paulo, ganhou projeção nacional. Os dois se separaram, mas ela manteve o sobrenome político. Na oposição, o principal herdeiro é o senador Aécio Neves (PSDB-MG), neto do ex-presidente Tancredo Neves, filho do ex-deputado Aécio Cunha e primo do senador Francisco Dornelles (PP-RJ). A relação dos que conseguiram alcançar po sto mais alto que seus parentes políticos reúne desde a senadora Marisa Serrano (PSDB-MS), prima do deputado estadual Márcio Monteiro (PSDB); o senador Vicentinho Alves (PR-TO), primo do ex-prefeito de Porto Nacional (TO) Paulo Mourão (PT), e até o experiente Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), neto do ex-deputado estadual Francisco de Andrade Lima. Tio do deputado estadual Gustavo Negromonte (PMDB-PE), Jarbas faz parte também dos senadores que apadrinharam o ingresso de jovens parentes na política. Mas os principais representantes desse grupo são os senadores pais de deputados federais: Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), João Durval (PDT-BA), Renan Calheiros (PMDB-AL), Benedito de Lira (PP-AL), Kátia Abreu (DEM-TO), Wilson Santiago (PMDB-PB), José Agripino (DEM-RN) e José Sarney (PMDB-AP). Do Senado, eles acompanham de perto os trabalhos dos herdeiros Valadares Filho (PSB-SE), Sérgio Barradas Carneiro (PT-BA), Renan Filho (PMDB-AL), Arthur de Lira (PP-AL), Irajá Abreu (DEM-TO), Wilson Filho (PMDB-PB), Felipe Maia (DEM-RN) e Sarney Filho (PV-MA). Entre aqueles em que o familiar político parece ter tido pouca influência em seu sucesso eleitoral está a senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS). Eleita para seu primeiro mandato político, Ana Amélia ficou viúva no início do ano do ex-senador Octávio Omar Cardoso, suplente que exerceu o mandato entre 1983 e 1987. Ana Amélia, porém, fez sua popularidade na TV. Foi comentarista econômica do grupo RBS por 33 anos, aparecendo diariamente na televisão no Rio Grande do Sul por boa parte desse tempo.
Parentes em alta
Um dos motivos que explica o aumento do número de parlamentares com parentesco na política são as campanhas cada vez mais caras. Na avaliação do professor Ricardo Costa de Oliveira, no atual sistema, é preciso o candidato ter cada vez mais recurso para se eleger. “E quem tem mais dinheiro e estrutura política são famílias que já estão no poder”, avalia. “No atual sistema político, só se elege quem é profissional, quem tem dinheiro, quem tem muita estrutura. Quem é amador, político novo, só com suas ideias, não consegue se eleger de primeira, com raras exceções”, afirma. Autor do livro A Teia do Nepotismo e da tese de doutorado O silêncio das genealogias – classe dominante e estado no Paraná – que analisou a estrutura de poder e de parentesco no Paraná –, Oliveira analisa que a família, como uma organização, consegue formar grandes “estruturas de poder”. “São grandes redes de cumplicidade e de favores, conectando o poder Executivo, Legislativo, Judiciário e todas as instituições do sistema político”, afirma, enfatizando que o Paraná, em termos de influência de famílias na política, não é diferente de estados como Alagoas e Maranhão. Para o cientista político Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília (UnB), a perpetuação de famílias na política também é explicada pelas próprias estratégias dos clãs. O cientista analisa que, entre os familiares, há um “compartilhamento do know-how necessário para uma eleição”. “Você tem familiares com mandato, você tem fonte de informação sobre o que é necessário fazer para vencer uma eleição. Na medida em que o conhecimento é compartilhado, há uma vantagem estratégica. Você já sai numa eleição com referencias, com credenciais”, avalia Barreto. Na avaliação de Barreto, esse tipo de continuidade de famílias na política não é uma característica apenas da política brasileira, mas prevalece em regiões com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mais baixo. “Boa parte desse fenômeno acontece em sociedades mais tradicionais do ponto de vista de eleitores, que têm como critério de voto o costume. É muito comum escutar nas cidades: ‘Eu sou do grupo de fulano, de sicrano’. Hábitos políticos constituídos antes do atual sistema partidário”, conclui.
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