Dizem
que o brasileiro não tem memória. No Senado, eles não têm mesmo é muita
curiosidade. Tome-se o caso do senador Vital do Rêgo (PMDB-PB).
Presidente de duas comportadas CPIs da Petrobras, ele está na bica de
virar ministro do TCU. Teve o nome aprovado pelo plenário do Senado no
início da noite desta terça-feira (2). Deve passar pela Câmara nos
próximos dias. Sem sustos. Vital é uma indicação do Senado.
Mas o
presidente da Casa, Renan Calheiros, compartilhou a escolha com Dilma
Rousseff. Até os ácaros do carpete azul do Senado suspeitam que Dilma
avalizou Vital na expectativa de assegurar o apoio do PMDB para o nome
que está prestes a indicar para o STF. Uma de suas opções é o ministro
petista José Eduardo Cardozo (Justiça). Na sessão em que o nome de
Vital foi votado, o senador Aloysio Nunes Ferreira (SP), líder do PSDB,
dirigiu-lhe uma pergunta. Evocando o burburinho sobre o troca-troca
entre PMDB e PT, o grão-tucano perguntou, cheio de dedos, se a escolha
de Vital pressupunha o apoio do PMDB à eventual indicação de Cardozo
para o STF.
“Esse rumor correu com muita insistência e extrapolou
os limites do nosso plenário'', disse Aloysio Nunes.
“É por esta razão,
eminentemente política, que faço essa indagação a Vossa Excelência, para
que diga, com toda a lealdade, se esse rumor procede.”
Vital,
evidentemente, disse que não. Mas embromou tanto que terminou
enfraquecendo sua negativa. Vale a pena ler a resposta:
“Agradeço a
oportunidade que Vossa Excelência me dá para lhe responder, já que não
pude fazê-lo por ocasião da sabatina da CAE [Comissão de Assuntos
Econômicos], em virtude de outras obrigações de Vossa Excelência. Lá
estavam outros senadores do PSDB: Lúcia Vânia, Flexa Ribeiro. E deles
recebi manifestações de apreço, de carinho, atenção e, acima de tudo,
solidariedade. Vossa Excelência é assim mesmo, é verdadeiro. E precisa
consultar aquele que Vossa Excelência vai sufragar com o seu voto —ou
não—, para que a consciência de Vossa Excelência fique tranquila.
Senador Aloysio, eminentes senadores, Vossas Excelências me conhecem.
Estou hoje apelando, pedindo o apoio dos senhores para atender à
indicação de diversos líderes partidários, em virtude da minha história,
do meu passado de 25 anos de atividade ininterrupta como parlamentar.
Vereador, deputado estadual, deputado federal e agora senador. E quero
agradecer muito ao gesto do senador-relator, paraibano, Lindbergh
Farias, que está ali, ouvindo e lembrando das manifestações que nós
recebemos juntos.”
Nesse ponto, após dezenas de palavras ocas,
Vital pronunciou algo, digamos, parecido com uma resposta:
“O PMDB não
fez nenhum acordo.” E voltou à embromação: “O PMDB indicou um dos seus. E
esta indicação recebeu da grande maioria dos líderes da Casa o apoio
indispensável. Posso falar por mim, mas certamente falo pelo líder
Eduardo Braga, pelo líder do meu partido, Eunício Oliviera, pelo
presidente do Senado, antes de tudo um peemedebista, Renan Calheiros.”
Aqui,
Vital emendou observações que não deixam dúvida quanto à boa vontade
com que o PMDB receberá a eventual indicação do petista José Eduardo
Cardozo para uma vaga no STF:
“Nós respeitamos todas as indicações,
qualquer uma que possa vir para o Supremo Tribunal Federal —ou para
qualquer órgão superior. Vai ter a análise do PMDB, vai ter o pensamento
do partido. Mas em nada se criou liames [sic], nem por um segundo se
criou liames. Porque esta Casa quis ter o direito de indicar um nome que
possa, tecnicamente, à luz da Constituição Federal, representá-la no
Tribunal de Contas da União”.
Quem esperava que o tucano Aloysio
Nunes fosse esticar a inquirição frustrou-se: “Agradeço a Vossa
Excelência”, disse ele a Vital.
“Estou satisfeito”. Na sequência, o
senador Aécio Neves, presidente do PSDB federal, derramou sobre o
microfone elogios a Vital.
Havia 64 senadores em plenário.
Colhidos os votos, 63 votaram a favor da ascensão de Vital do Rêgo à
sinecura vitalícia do TCU. Embora a votação fosse secreta, o único
senador que votou contra fez questão de se apresentar. Pertence ao PMDB
de Vital. Chama-se Jarbas Vasconcelos. Disse que desaprovou a indicação
porque ela tinha as digitais do governo.
“Quem o governo indica
não pode merecer a minha confiança. Faço o meu voto de público porque
não confio na presidente da República. E Vossa Excelência está diante de
um esquema, fez parte de uma engrenagem do PT de Dilma, que me causa
ojeriza.”
Nelson Rodrigues ensinou: “A opinião unânime está a um
milímetro do erro, do equívoco, da iniquidade.” Eleito deputado federal,
Jarbas Vasconcelos dará expediente na Câmara a partir de fevereiro de
2015. E o plenário do Senado passará a ter algo de fluvial no seu lerdo
escoamento em direção ao equívoco.
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