A vida nada mansa de Antônio Marcos, cantor galã
dos anos 70, que virou alcoólatra e foi levado à decadência.
O Último Romântico
Antônio Marcos levou multidões à loucura com sua bela voz e porte de
galã. Cantor e compositor de clássicos populares dos anos 70, fez Roberto Carlos
vender milhares de discos com a música “Como Vai Você”. Ex-marido da
cantora Vanusa e da atriz Débora Duarte, deixou muitas mulheres
apaixonadas. Mas foi tragado pelo alcoolismo. São Paulo, verão de 1975, o casal Vanusa e Antônio Marcos toma o café
da manhã ao lado das pequenas filhas, Amanda e Aretha. De repente, a
mais velha diz que não quer mais ir para a escola: “As crianças, durante
o recreio, gritam que meu pai é bêbado”. A cantora gela e pede à babá
que leve as meninas para o jardim. Há tempos que ela adiava aquele
momento. “Está vendo, Toninho, o que você está causando à suas filhas?” O
cantor nada responde. Vanusa continua: “Chegou a hora de você escolher:
ou a nossa vida ou o seu scotch.” Antônio Marcos ergue a garrafa de
uísque, dá um gole e diz, sem encará-la: “Nunca vou parar de beber”. Sem
nada mais dizer, ele levanta-se e vai embora. Vanusa debruça sobre a
mesa e desaba a chorar. A xícara vira e o café escorre pela toalha.
Terminou assim o casamento que durante seis anos fora o mais badalado da
música popular dos anos 70.
A Ascensão
Antônio Marcos Pensamento da Silva nasceu no dia 8 de novembro de
1945, em São Miguel Paulista, distrito da zona leste de São Paulo. É o
segundo dos oito filhos do alfaiate e vendedor de livros Vicente e de
dona Eunice — hoje com 91 anos –, costureira, poetisa e compositora.
Como era fraquinho, o aluno do grupo escolar Vila Sinhá costumava contar
que chegou a tomar injeção de sangue de cavalo na infância, seguindo as
instruções de uma benzedeira. Começou a trabalhar cedo, para ajudar a
família de baixa renda. Torcedor aficionado pelo time do São Paulo, foi
office-boy do banco Ítalo-Brasileiro e balconista de uma loja de
sapatos. E, desde pequeno, cantava nas formaturas da escola. Sabia de
cor as canções de Bob Nelson, cantor country pioneiro no Brasil. Mas,
aos 12 anos, já dava os primeiros goles nos botecos de São Miguel.
Matava aulas para ir ao cinema, compor poesias e tocar violão na casa
dos amigos. Por isso, só conseguiu concluir o segundo grau com muito
esforço. Desde sempre chamava a atenção por seu belo porte e carisma: fazia
pontas em programas da TV Tupi. Sua voz garantiu-lhe uma vaga no coral
Golden Gate, dirigido por Georges Henry e uma participação no programa
de rádio de Albertino Nobre, onde foi nomeado “A Voz de Ouro de São
Miguel”. Em 1962, esteve na Ginkana- Kibon, apresentada por
Vivente Leporace e Clarice Amaral, na TV Record. Lá, cantou “Only You”,
sucesso de Elvis Presley, de quem ele colecionava os discos. Dois anos
depois, é destaque ao cantar, tocar violão e imitar cantores no programa
de Estevam Sangirardi, na rádio Bandeirantes. O rapagão também era talentoso nos tablados e logo foi fisgado pelo Teatro de Arena. Tornou-se ator principal das peças Pé Coxinho e Samba Contra 00 Dolar. Em
1965, junta-se a mais três rapazes e montam o quarteto Os Iguais.
Estouram com a música “A Partida”, mas Antônio Marcos nasceu para
brilhar sozinho e, dois anos depois, lança seu primeiro compacto com
duas músicas: “A Estória de Quem Amou Uma Flor” e “Perdi Você”. O disco
não fez muito sucesso, mas aquela voz sobressaiu. O cantor logo
conseguiu gravar seu segundo compacto e estourar nas paradas com a
música “Tenho Um Amor Melhor Que o Seu”, de autoria de Roberto Carlos. A
música toca em todas as rádios e Antônio Marcos torna-se coqueluche
nacional: o homem ideal das mocinhas românticas da época, com 1,82 m,
cabelos lisos, robusto e dono de uma voz de ouro. Os tempos de vacas magras vão ficando para trás. Na estante de casa,
já acumula prêmios – como o Roquete Pinto e o Chico Viola, de 1969 — e
compra seu primeiro carro, um Corcel Luxo. E embala um romance com uma
das estrelas da Jovem Guarda, o Queijinho de Minas Martinha: “Antônio
Marcos foi o grande amor da minha vida. Ficamos dois anos juntos como
num conto de fadas. Na minha casa, tinha uma parede, como se fosse uma
cortina, com seus poemas. Só que ele queria ‘juntar’ e eu queria casar”,
lembra a cantora e compositora, que teve sua música “Sou Eu” gravada no
primeiro disco do cantor. Em 1969, com 21 anos, Antônio Marcos dá uma guinada durante o IV
Festival de Música Popular Brasileira, da TV Record, quando ganha o
prêmio de melhor intérprete. Ele nem liga para as vaias, canta lindo,
com os cabelos longos e uma camisa de renda preta aberta até o umbigo,
exibindo o tórax cabeludo. Ao ver Vanusa — que levou o terceiro lugar do
festival cantando “Comunicação” –, se encanta e dá a ela uma flor: ao
vivo e em preto e branco, como era a televisão na época. Os dois já haviam se encontrado meses antes rapidamente no escritório
da gravadora RCA Victor: “Nos vimos e o ar parou. Ele me deu um disco
e, em casa, quando ouvi aquela tremenda voz, eu me apaixonei na hora’’,
lembra a cantora, que naquele dia, terminou o namoro com o cantor Fábio.
E, após o festival da Record, alguns cantores foram comemorar na casa
de Antônio Marcos, no Brooklin, bairro da capital paulista.
Providencialmente, Edith, na época assessora de Roberto Carlos, deu um
jeito de Vanusa pegar uma carona no Sinca Chambord lilás do cantor. Na
casa dele, pura festa: todos cantando e bebendo em volta da piscina. Até
que Vanusa descola um maiô emprestado, dá um mergulho e braçadas a la
Esther Willians que deixa todos os convidados surpresos: “Saí tremendo
de frio e fui para o um quarto, na edícula. Tirei o maiô, fiquei nua e
entrei embaixo da coberta. De repente, sinto alguém entrando. Sabia que
era ele. Fizemos amor na cama da empregada”, confessa. Na tarde seguinte, já tomavam sorvete juntos. E, daquela casa, Vanusa
não saiu mais. Os dois passaram a morar juntos, mas não eram casados,
como exigia os padrões rígidos da época. Isso porque os artistas naquele
tempo não podiam se casar para alimentar os sonhos dos fãs. Então,
Vanusa ficou grávida e passou a ser xingada nas ruas pelas tietes de
Antônio Marcos. Em uma apresentação do cantor em Quem Tem Medo da Verdade,
o casal foi tão massacrado que Vanusa — assistindo ao programa sozinha
em casa – passou mal e acabou perdendo o bebê aos cinco meses de
gravidez. Com o sofrimento da cantora, as fãs se sensibilizaram e a
imprensa passou a chamá-los de “Casal 20”. No mesmo ano, Antônio Marcos emplacou nas rádios a música “Menina de Tranças” e, na televisão, como galã do folhetim Toninho On the Rocks,
feito para ele estrelar no horário nobre da TV Tupi e que também tinha
Raul Cortez e Marilu Martinelli no elenco. A mocinha da trama? Débora
Duarte. Em uma tarde, um silêncio constrangedor tomou conta dos estúdios
da Tupi, no Sumaré, onde gravavam a novela. Vanusa passou por lá para
fazer uma surpresa para Antônio Marcos e flagrou-o, na cama do cenário,
dando um beijo em Débora. Ele justificou que era o ensaio de uma cena,
mas a desculpa não colou. A cantora, novamente grávida, disse-lhe que
estava tudo acabado e sumiu pelos corredores da emissora. Foi para a
casa da mãe. Inconformado, Antônio Marcos ligava para ela de hora em
hora, mandou flores, presenteou-a com um anel de brilhante. Até que a
cantora o aceitou de volta.
O Auge
Sucesso na TV, Antônio Marcos estreia no cinema com o longa-metragem Pais Quadrados, Filhos Avançados,
dirigido por J. B. Tanko. “Ele chegou atrasado à pré-estreia, no antigo
Cine Regina [no centro de São Paulo]. Depois do filme, nem falou nem
subiu no palco. Estava indisposto”, conta hoje Mauricio Kus, um grande
divulgador de filmes nacionais dos anos 70. A indisposição era em
decorrência de umas doses a mais. “Ele bebia muito e não comia. Seu café
da manhã era uísque”, confirma Vanusa. O cantor chegou a bater o carro
várias vezes por dirigir alcoolizado. Certa vez, teve perda total de uma
Ferrari: no problem, como estava no auge da carreira, em 15 dias já tinha outra garagem. Apesar do pileque constante, ele era muito vaidoso. Tinha um closet
cheio, com diversos tipos de botas e ternos de muitos tons e com brilho.
Em uma loja, se gostasse do modelo de uma camisa, levava de todas as
cores. E lançou moda: foi um dos primeiros homens a usar macacão no
Brasil. Afinal, Antônio Marcos, ao lado de Wanderley Cardoso e Paulo
Sérgio, era ídolo do programa Os Galãs Cantam e Dançam, de
Silvio Santos. Também fazia sucesso nas fotonovelas: em uma delas,
aparece dando um beijaço em Vera Fischer, na época estrela da
pornochanchada A Super Fêmea. No cinema, em Som, Amor e Curtição,
contracenou com as belas Betty Faria e Rosemary. E, no mesmo ano, em
1972, Antônio Marcos oficializou o casamento com Vanusa, depois que
Amanda, a primeira filha do casal, nasceu. O casal ainda teve mais uma
filha, Aretha, e, com a ajuda de Silvio Santos, que sempre gostou muito
do cantor, compraram uma casa na rua Joaquim Nabuco, em São Paulo. Ele também era respeitado como compositor. Foi em um jantar na casa
de Nice e Roberto Carlos, no Morumbi, que ele apresentou “Como Vai
Você”, que rendeu ao ícone da Jovem Guarda mais de 700 mil discos
vendidos. Antônio Marcos ganhava malas de dinheiro com seus shows. Mas também
gastava muito. Chegou a dar seu carro para um taxista bêbado que
lamuriava em um bar. Aliás, não era raro o cantor fazer essas “doações”:
costumava comprar comida em restaurantes nobres para dar a mendigos e
dividia o que tinha na carteira se um amigo estivesse “duro”. Atitudes
de um homem generoso, lamentavelmente consumido pelo alcoolismo. “Eu
perguntava por que ele bebia tanto e ele respondia: ‘Não sou deste
planeta, o mundo é muito cruel e desigual’”, ressalta Vanusa. Saía sem avisar seu paradeiro e chegava a virar noites. Certa vez,
chegou a sumir por quatro dias. A atriz Elsa de Castro sabe bem: “Eu era
louca por ele. Jantávamos na churrascaria Eduardo´s, no centro. Ele
bebia muito, mas era gentil e não parava de falar na Vanusa. Aí, eu o
levava para casa”, conta. Devido aos sumiços, sua mulher chegou a ter de
substituí-lo em dois shows. “Nunca fui tão vaiada, foi tão traumático
quanto o vídeo do Hino Nacional no YouTube [refere-se a uma
interpretação polêmica que a cantora fez em março de 2009 e virou hit na
internet]”, compara Vanusa, que acabou se separando do cantor no começo
de 1975. Em abril do ano seguinte, uma manchete chega às bancas de todo
Brasil: “Bomba/Confirmado, Romance de Débora Duarte e Antonio Marcos”. A
atriz, segundo o cantor dizia para os amigos, apresentara a ele um novo
mundo, que se refletiu em seu novo visual: cortou o cabelo, passou a
usar franja e bigode. Meses depois, o casal mostrou sua residência, no
Morumbi, na capa de um especial da revista Amiga: “Os ídolos da
TV e suas casas fabulosas”. A mansão tinha piscina, campo de futebol
society, veludo nos sofás e um bar de aço escovado. E, em julho de 1977,
tiveram a primeira filha, Paloma Duarte.
Débora e Antônio Marcos apresentaram juntos o programa Rosa e Azul,
na TV Bandeirantes, que tinha, em 1979, atrações musicais como Miss
Lane, Djavan, Lady Zu e Sidney Magal. Na mesma emissora, estrelaram a
novela Cara a Cara, de Vicente Sesso, que também tinha no
elenco Fernanda Montenegro, David Cardoso e Luiz Gustavo. O casou até
gravou um compacto com as músicas da novela. Mas, no início dos anos 80,
se separou e Antônio Marcos “entrou em parafuso”, como o próprio
declarou. Pensou em largar tudo para ser garçom em Amsterdã. “Se tenho
de ir ao fundo do posso, eu vou. Sou mais ou menos insuportável”,
reconheceu. Dois anos depois, eles tentaram uma reconciliação, que não
durou muito.
A Decadência
Aos 39 anos, Antônio Marcos conheceu sua terceira mulher, no
aeroporto de Natal. A modelo Rose, quase 20 anos mais nova que ele, teve
um menino, Antônio Pablo, que levou este nome em homenagem ao poeta
Pablo Neruda, um dos favoritos do cantor. Pai novamente, o cantor se viu
em um mau momento. Sua carreira já não era a mesma, ele não era mais
convidado para fazer novelas e não estourava hits nas rádios. Até que
uma nova parceria, com o compositor e produtor Antônio Luiz, deu-lhe
novo ânimo. Antônio Marcos se aproximou do autor de “Tic Tic Nervoso” —
um hit dos anos 80 – nos bastidores do programa do Bolinha. “As pessoas
davam drogas para ele, mas não davam mantimento. Cheguei a fazer
ligações anônimas ameaçando mandar a polícia atrás delas’’, conta
Antonio Luiz, que, em 1985, compôs com Antonio Marcos 12 músicas para a
peça Zé Criança, onde Paloma Duarte, com apenas 8 anos, atuou
com o pai no teatro Nelson Rodrigues, em Guarulhos. E, em 1987, Luiz foi
parceiro em quatro canções de O Anjo de Cada Um, o último disco de músicas inéditas que o cantor lançou. Internações em clínicas de desintoxicação passaram a fazer parte da
rotina de Antônio Marcos depois que ele resolveu, enfim, travar uma luta
contra o álcool e as drogas. “Nesse período, percebi como a bebida
transforma a gente. Você bebe, cheira tóxico e pensa que seu poder de
criação está mais aguçado. Tudo palhaçada”, reconheceu em entrevista a
revista Contigo. Mas o declínio era evidente. Ele não conseguiu largar a bebida e
acabou tendo que se mudar para Mairiporã, segundo Luiz, com dificuldades
financeiras até mesmo para comer. Para socorrer o ex-marido, Vanusa,
que já sido casada com o diretor Augusto César Vanucci — na época
poderoso na TV Bandeirantes –, pediu ao ex-marido para promover um show
na emissora para arrecadar dinheiro para Antônio Marcos. Mas com uma
condição: que o cantor se internasse para ficar sóbrio. Três meses
depois, em junho de 1987, ele saiu da clínica para o teatro Záccaro,
onde aconteceria o especial. Mas, no caminho, deu um jeito de tomar um
porre e chegou bêbado aos bastidores. Vanusa trancou o cantor no camarim
até a hora dele entrar em cena. Antônio Marcos implorava por um copo e
ela deu-lhe um dedo de uísque. O show acabou sendo um sucesso, mas o
cantor não apareceu ao jantar com os convidados, que incluiu Alcione,
Chitaõzinho e Xororó, Fagner, Ronnie Von, Sandra de Sá e Antônio Luiz. No início dos anos 90, o cantor deixou Rose para se unir a Ana Paula
Braga, enteada de Roberto Carlos. Em 1991, depois de uma série de
internações por problemas no fígado, ele ainda fez uma temporada de
shows na extinta casa noturna paulistana Inverno e Verão. Até que, na
manhã do dia 5 de abril de 1992, foi a uma padaria em Alphaville, pediu
uma dose de uísque e, ao sair, bateu sua caminhonete em um poste,
machucando o tórax violentamente contra o guidão. Ana Paula o internou
no hospital Oswaldo Cruz, e, por volta das 21h, Antônio Marcos faleceu. O
cantor foi enterrado no cemitério Parque dos Girassóis com a presença
de dezenas de fãs, que acenavam com lenços brancos. Após a morte do cantor, um exame de DNA comprovou a paternidade de
mais um menino, Manoel Marcos, que passou a ser o primogênito da prole.
Assim, após a trajetória de um típico romântico, ele deixou cinco
filhos, quatro ex-mulheres, 14 discos e centenas de músicas. Em São
Miguel Paulista foi fundada a Casa de Cultura Antônio Marcos São Miguel
e, em 2006, sua filha lançou o CD e DVD Aretha Marcos Ao Vivo – Homenagem aos 60 anos de Antônio Marcos.
“Meu pai me ensinou que o importante na vida é ser feliz e falar sempre
a verdade, mesmo que isso doa”, encerra Amanda, sua filha mais velha.
Antônio Marcos também costumava dizer: “Nunca vou morrer. Vou ficar
encantado.” Encantadas ficaram as milhares de fãs desse romântico
incorrigível