Um lateral esquerdo surgiu no Danubio em 2004 com a pecha de
promessa do futebol uruguaio. A sua história não era muito diferente de
muitas que vemos no Uruguai e na América do Sul como um todo. Veio de
uma família de baixa renda, de um bairro pobre, com poucas chances de
sair dali, a não ser que conseguisse sucesso no futebol. Jorge García
tinha tudo para isso. Canhoto, talentoso, chegou a ser especulado para
jogar pelo Chelsea, então um novo rico do futebol. A derrota no futebol
às vezes é cruel. Na vida, é pior ainda. Jorge García não conseguiu
vencer seus próprios demônios.
Criado em Borro, um bairro pobre de Montevidéu, Jorge García já era
profissional do Danubio aos 17 anos. Por alguns detalhes – dizem que por
não acertarem os valores entre os intermediários e os clubes –, García
não foi para o Chelsea. Um detalhe, mas que ele sentiu. Antes mesmo de
ter idade para poder beber, já vivia a frustração de uma mudança que
transformaria sua vida, mas que nunca se consumou.
Foi chamado para a seleção uruguaia em 2006 e campeão uruguaio pelo
Danubio naquela temporada 2006/07. O sucesso não cortava sua ligação com
o bairro que cresceu. O Danubio cedeu um apartamento a ele em um bairro
mais nobre de Montevidéu, Pocitos, mas ele ficou por lá pouco tempo.
Voltou a Borro, o seu bairro de origem. Os problemas fora dos gramados
começaram a aumentar.
Em 2006, chegou a ser processado por desacato à autoridade. Brigou em
uma casa noturna, meses depois, agredindo uma pessoa com copo. Meses
depois, foi pego dirigindo bêbado na contramão na madrugada em
Montevidéu. Em 2010, foi parado em uma batida policial e submetido ao
bafômetro, que constatou que ele estava alcoolizado. Também tinha alguns
gramas de cocaína e acabou preso por algumas horas.
Seus problemas pessoais o levaram ao Cerrito, em 2011. Foi para o
Democrata em 2012 e, naquele mesmo ano, chegou ao Cerro, onde esteve na
temporada 2012/13. Foi a sua última. Os seus demônios, que o
atormentavam há tempos, passaram a controlar a sua vida. Não era mais um
jogador de futebol. Era alguém precisando de ajuda.
Em fevereiro de 2013, viveu a dura morte da mãe, que levou um tiro na
cabeça saindo de um mercado no bairro onde moravam, Borro. Já era
depois da meia-noite quando o disparo aconteceu. Alguns dizem que foi
uma bala perdida, outros que era um recado ao jogador, um ajuste de
contas. Voltou a campo cerca de um mês depois, pelo Cerro, e marcou o
gol de empate por 2 a 2 com o Peñarol, aos 46 minutos do segundo tempo.
Comemorou levantando as mãos ao céu, homenageando a mãe. Sua passagem
pelo clube não duraria muito. No fim da temporada, em junho, ficou
novamente sem clube. Não joga mais desde então.
Em março deste ano, mais um episódio trágico na sua vida. Jorge
García chegou em casa, discutiu com o pai, ficou nervoso e, com um
cinzeiro de madeira, o atacou. O estrangulou até a morte. Na casa, o pai
mantinha um terreiro de macumba e algumas imagens. Foi preso e
indiciado. No julgamento, foi considerado culpado de homicídio
qualificado, mas inimputável por não ser responsável pelos seus atos.
Foi diagnosticado, segundo a perícia, com estado de confusão mental
aguda, uma doença mental conhecida e uma das primeiras a serem
descobertas. No seu depoimento, descreveu o crime que matou o pai em
detalhes, mas relatou a sua participação em terceira pessoa, como se
tivesse sido cometido por um outro autor, um irmão. Perguntado onde
estaria esse irmão, ele apontou para a cabeça. “Aqui, aqui”.
Foi internado no Hospital Psiquiátrico Viladerbó. O seu advogado,
Aníbal Martínez Chaer, disse que ele brigou com outros presos e teve que
ser isolado. Está medicado e não pode receber visitas. Segundo contou a
amigos próximos, disse que estava sendo perseguido, que queriam
matá-lo. Saltava de estado de paranoia a entusiasmo. Saía de casa para
correr de madrugada e dizia que o técnico da seleção uruguaia, Oscar
Tabarez, o queria para a Copa do Mundo no Brasil, mesmo sem clube desde
que deixou o Cerro, no meio de 2013. Foi tomado por delírios. Sua vida
no futebol não passa, agora, de uma lembrança.
Se antes o jogador era visto como uma promessa de grande jogador, com
futuro em um clube europeu e jogando pela seleção, agora, aos 27 anos,
Jorge García é um paciente tentando se recuperar de uma doença que o
tirou da realidade. Uma realidade que, talvez, ele já nem quisesse mais
viver. Um triste fim para alguém que pintou como grande jogador, mas que
foi driblado pela doença da sua mente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário