quarta-feira, 26 de março de 2014

Uma promessa do futebol uruguaio derrotada pelos seus próprios demônios.

Um lateral esquerdo surgiu no Danubio em 2004 com a pecha de promessa do futebol uruguaio. A sua história não era muito diferente de muitas que vemos no Uruguai e na América do Sul como um todo. Veio de uma família de baixa renda, de um bairro pobre, com poucas chances de sair dali, a não ser que conseguisse sucesso no futebol. Jorge García tinha tudo para isso. Canhoto, talentoso, chegou a ser especulado para jogar pelo Chelsea, então um novo rico do futebol. A derrota no futebol às vezes é cruel. Na vida, é pior ainda. Jorge García não conseguiu vencer seus próprios demônios.
Criado em Borro, um bairro pobre de Montevidéu, Jorge García já era profissional do Danubio aos 17 anos. Por alguns detalhes – dizem que por não acertarem os valores entre os intermediários e os clubes –, García não foi para o Chelsea. Um detalhe, mas que ele sentiu. Antes mesmo de ter idade para poder beber, já vivia a frustração de uma mudança que transformaria sua vida, mas que nunca se consumou.
Foi chamado para a seleção uruguaia em 2006 e campeão uruguaio pelo Danubio naquela temporada 2006/07. O sucesso não cortava sua ligação com o bairro que cresceu. O Danubio cedeu um apartamento a ele em um bairro mais nobre de Montevidéu, Pocitos, mas ele ficou por lá pouco tempo. Voltou a Borro, o seu bairro de origem. Os problemas fora dos gramados começaram a aumentar.
Em 2006, chegou a ser processado por desacato à autoridade. Brigou em uma casa noturna, meses depois, agredindo uma pessoa com copo. Meses depois, foi pego dirigindo bêbado na contramão na madrugada em Montevidéu. Em 2010, foi parado em uma batida policial e submetido ao bafômetro, que constatou que ele estava alcoolizado. Também tinha alguns gramas de cocaína e acabou preso por algumas horas.
Seus problemas pessoais o levaram ao Cerrito, em 2011. Foi para o Democrata em 2012 e, naquele mesmo ano, chegou ao Cerro, onde esteve na temporada 2012/13. Foi a sua última. Os seus demônios, que o atormentavam há tempos, passaram a controlar a sua vida. Não era mais um jogador de futebol. Era alguém precisando de ajuda.
Em fevereiro de 2013, viveu a dura morte da mãe, que levou um tiro na cabeça saindo de um mercado no bairro onde moravam, Borro. Já era depois da meia-noite quando o disparo aconteceu. Alguns dizem que foi uma bala perdida, outros que era um recado ao jogador, um ajuste de contas. Voltou a campo cerca de um mês depois, pelo Cerro, e marcou o gol de empate por 2 a 2 com o Peñarol, aos 46 minutos do segundo tempo. Comemorou levantando as mãos ao céu, homenageando a mãe. Sua passagem pelo clube não duraria muito. No fim da temporada, em junho, ficou novamente sem clube. Não joga mais desde então.
Em março deste ano, mais um episódio trágico na sua vida. Jorge García chegou em casa, discutiu com o pai, ficou nervoso e, com um cinzeiro de madeira, o atacou. O estrangulou até a morte. Na casa, o pai mantinha um terreiro de macumba e algumas imagens. Foi preso e indiciado. No julgamento, foi considerado culpado de homicídio qualificado, mas inimputável por não ser responsável pelos seus atos. Foi diagnosticado, segundo a perícia, com estado de confusão mental aguda, uma doença mental conhecida e uma das primeiras a serem descobertas. No seu depoimento, descreveu o crime que matou o pai em detalhes, mas relatou a sua participação em terceira pessoa, como se tivesse sido cometido por um outro autor, um irmão. Perguntado onde estaria esse irmão, ele apontou para a cabeça. “Aqui, aqui”.
Foi internado no Hospital Psiquiátrico Viladerbó. O seu advogado, Aníbal Martínez Chaer, disse que ele brigou com outros presos e teve que ser isolado. Está medicado e não pode receber visitas. Segundo contou a amigos próximos, disse que estava sendo perseguido, que queriam matá-lo. Saltava de estado de paranoia a entusiasmo. Saía de casa para correr de madrugada e dizia que o técnico da seleção uruguaia, Oscar Tabarez, o queria para a Copa do Mundo no Brasil, mesmo sem clube desde que deixou o Cerro, no meio de 2013. Foi tomado por delírios. Sua vida no futebol não passa, agora, de uma lembrança.
Se antes o jogador era visto como uma promessa de grande jogador, com futuro em um clube europeu e jogando pela seleção, agora, aos 27 anos, Jorge García é um paciente tentando se recuperar de uma doença que o tirou da realidade. Uma realidade que, talvez, ele já nem quisesse mais viver. Um triste fim para alguém que pintou como grande jogador, mas que foi driblado pela doença da sua mente.

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