A rivalidade entre os dois times de futebol formados pelos servidores do fórum de determinada comarca já era conhecida e comentada até mesmo em cartórios de fora do Estado. Tudo começou em uma tola disputa de poder entre os servidores que exerciam funções meramente administrativas e aqueles que desenvolviam atividades estritamente jurisdicionais. Os primeiros reclamavam que os outros não cooperavam com as iniciativas da administração, por serem muito pedantes e acharem que as normas internas do foro os faziam perder o tempo inestimável em que poderiam estar prestando serviço à sociedade. Os judicantes acusavam os administradores de petulantes, por ficarem inventando regras banais apenas como vil meio de auto-afirmação interferindo na sagrada atividade jurisdicional. Como a rixa não poderia chegar às vias de fato, os contendores decidiram resolver a questão dentro de campo. Daí surgiu a maior rivalidade do futebol forense: Regentes vs. Judicantes. Dr. Delonga, magistrado da comarca, que cumulava as funções de juiz e diretor do foro foi convocado para ambas equipes, mas decidiu adotar uma posição de neutralidade. Seguindo seus instintos e sabedor de que a missão do juiz é justamente a de trazer paz aos conflitos, decidiu apitar o Rejud, como ficou conhecido o clássico. Começa a partida e um jogador do time dos Judicantes já dá uma entrada violenta em um adversário. Dr. Delonga, então, dirige-se rapidamente ao local do fato e tira o cartão vermelho do bolso quando, de repente, é tomado por um de seus instintos de magistrado. Dá-se conta de que seria arbitrariedade de sua parte aplicar a pena sem garantir o direito de ampla defesa ao infrator. Parado o cronômetro, o jogador explicou que não houve dolo de sua parte, que a canela do oponente é que veio em direção às travas de sua chuteira, sendo ele, na verdade vítima do incidente. O juiz considerou válidos os argumentos do rapaz e decidiu não aplicar qualquer punição. Foi quando percebeu que seria absolutamente antijurídico garantir a uma parte a ampla defesa, sem garantir a outra o sagrado direito ao contraditório. E assim foi que a partida começou a se estender. A cada apito sucedia a discussão garantindo-se às partes o direito à mais ampla defesa e ao contraditório. A partir de um tempo, permitiu-se também replica e tréplica. Obviamente, a partida teve que ser interrompida para recomeçar no fim de semana seguinte, e o mesmo aconteceu nas semanas e meses que se seguiram. E este acabou sendo justamente o atrativo do Rejud. Enquanto em outros clássicos os vitoriosos vão se alternando a cada jogo, no Rejud, assistia-se sempre à continuação do mesmo jogo. A partida começou a atrasar ainda mais, quando os jogadores começaram a trazer seus advogados para reforçarem seus argumentos e, em alguns casos, servirem de testemunhas. A imensa partida tornou-se tão célebre, que assisti-la contava como horas de atividades extracurriculares nas universidades da região. Entretanto, em um dado fim de semana, Dr. Delonga, que havia recusado diversas promoções para permanecer na comarca e continuar apitando o jogo épico, adoeceu e não pode comparecer. Foi chamado um árbitro profissional para apitar minutos restantes da partida que transcorreram como qualquer outro jogo de futebol. Anos de embates que culminam com um empate sem gols e um vazio no peito de todos os jogadores. Frustrados, os capitães das equipes se encontram no circulo central: Não achei que fosse terminar assim, tão subitamente. Já havia me acostumado a jogar semanalmente o mesmo jogo – Disse o capitão dos Judicantes. Mas não pode terminar sem que haja um vencedor. Vamos jogar outra? Não. As cordas vocais de minha equipe estão exaustas. Que tal par-ou-ímpar? E foi no par ou impar que se resolveu o clássico mais longo de todos os tempos. Mas é verdade é que até hoje não se sabe quem ganhou. O resultado do par-ou-ímpar foi contestado judicialmente e ainda tramita no foro daquela comarca, sob os cuidados do próprio Dr. Delonga. E ao indagá-lo sobre o tal processo obtém-se sempre a mesma resposta: Demorado, sim. Mas justo...
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